João Augusto Seraphião não tinha aumentativo só no nome.
Para ele, e para quem fosse um pouco mais sensível, possuía uma alma superlativa.
Com duas academias incompletas, em Medicina e Direito, bacharelou-se em Filosofia.
Romântico, os hábitos boêmios e notívagos renderem-lhe fama, a de vagabundo.
Ao longo dos seus trinta e pucos primeiros anos, não tinha uma noite que deixava de ser visto na Cinelândia, Lapa ou Vila Mimosa, uivando como lobo e balançando como pêndulo.
O troco da vida foi o insucesso profissional e a falta de mulheres, direitas.
Aparentando 60, aos 43 anos vendia bujingangas paraguaias da China na Av. Presidente Vargas, próximo à Candelária. A venda de canetas e lapiseiras era seu forte, clientes de escritório.
Trabalhava em uma pequena banca, própria, ia como brinde, para quem lhe simpatizasse, filosofias de bolso. Pequenas frases que induziam à reflexão, um Twitter dos anos 1980.
Duas pessoas, em particular, levavam as suas sempre que iam à banca: uma linda senhorita, de longos cabelos negros, óculos e nariz esculpido a mão e outra, de cabelos longos, só que mais claros, alta, face de Brabie, que não lhe apetecia tanto quanto a outra.
Aliás, não sei porque essa última entrou na história.
Pois bem, sua essência sonhadora (e outros motivos), o deixava sempre atento à passagem da morena de belo nariz. Sempre despojadamente vestida mas altiva e com uma pressa que presumia um rotineiro atraso.
Dias após vender uma recém lançada caneta dez cores para a sua musa, João foi cobrado por uma nova cliente que acabara de adquirir um jogo Tetris para seu filho: “Vem cá? E o meu papelzinho? A Margarida comentou que ganhou um quando comprou a caneta com o senhor...”
O nome dela era Margarida. Não era lá um nome de musa, mas passou a ser.
Foram duas belas notícias. O nome dela era Margarida que gostava do que ele escrevia.
Naquela noite não dormiu de ansiedade: quando Margarida voltaria a comprar algo na banca?
Não tardou. Margarida precisou retornar, pois achou o cheiro de tuttifruti da caneta meio infantil, comprou outra sem aroma.
João, em conjunto com o troco, deu mais um bilhete à Margarida e não era uma de suas filosofias.
Margarida o abriu ali mesmo e, ao terminar de ler, olhou sério para dentro da cara do João e disse, sem pestanejar: “Vai te catar, coroa filho da puta!”
No dia seguinte a banquinha do João foi para a Avenida Rio Branco, lá o movimento parecia ser melhor.
MÚSICA A CALHAR:
"Quem quer ser mais do que é, um dia há de sofrer" (Roda - De Gil por Elis)
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8 comentários:
excessivamente verossímil.
Boa Victor!!Muito Boa!!Adorei!!
Margarida (ou sua filha) ainda passa por lá, vi hoje!
(detalhe: a verificação de palavras sapecou um "broto" aqui, rsrs)
“O nome dela era Margarida. Não era lá um nome de musa”. Como não?Margarida, a musa de Fausto, do clássico de Goethe!
Mas musa à parte – à parte pra poder falar só dela - difícil achar um nariz mais esculpido a mão do que o nariz no rosto da Barbie, né?!
=]
Fausto não é la um cara tão confiável. A musa dele é Mephistopheles, isso sim.
A Barbie tem nariz de Petcvick, isso sim.
agora entendi, Seraphião é da tribo de Jurdião, o Seraphim.......
Gostei do texto.
Alíás Gil havia lido e recomendado....
história que se lê e solta a clássica no final: putz! Mas o melhor foi a música a calhar, simplesmente fantástica!
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