terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O Divã

Judith chama Horácio, era sua vez, sua primeira vez.

Levantou, enxugou suas suadas mãos nas calças e andou, tenso, rumo à porta que se abriu para que adentrasse ao recinto.

Uma vez dentro da sala, foi recepcionado pela pessoa que fora encontrar, o Dr. Amâncio, que disse:

– Boa tarde! Horácio Silva, não é? Sente-se, por favor.



Horácio não disfarçou a decepção, olhando em volta, sorria amarelo.

Dr. Amâncio notou e, por cima de seus óculos para perto, fitou o paciente, já colhendo seus primeiros dados, perguntou:

– O que há, o senhor não quer se sentar? – Disse em tom extremamente gentil.

– Não é isso... é que eu não esperava que fosse assim, um sofá, mas um divã. Não foi assim que eu idealizei – Argumentou o paciente.

Dr. Amâncio já havia ouvido tais considerações em tom de anedota, mas não através de uma declaração que parecia fruto de trauma, por isso ponderou:

– Meu jovem, isso é de uma época romantizada, hoje em dia o médico deve ter acesso aos olhos de seu paciente... é tudo um contexto.

– Olha – Disse Horácio – se o senhor não se importa, vou me deitar em seu sofá e ficar de cara com a foto daquele senhor barbudo da parede, tá?

O médico não se opôs, mas precisou arrastar sua cadeira para lado do pouso do rapaz.



Lá se iam minutos preciosos de uma custosa consulta, e nada de Horácio extravasar suas angústias.



– Pois bem, Horácio, fale de você, como está sua vida?

– Então, Dr., é sobre isso que vim falar, da minha vida...

Já era a o 8º. do dia, uma 4ª feira de fevereiro, calor, quem não estava nada paciente era Amâncio, logo, pensou: “Não me diga!”. E não só pensou:

– É óbvio... – disse entre dentes.

– Como? – indagou o paciente que não via o rosto do médico.

– Digo, o que há com sua vida que te incomoda tanto? – disfarçou o psiquiatra.



– Dr., eu tenho 27 anos, nunca me apaixonei de fato...

– Como é? Nunca admirou uma mulher, nunca teve alguém como especial?

– Não, Dr. Toda vez que começo a sair com uma mulher, ela pode até ser bonita, sabe? Mas quando eu imagino ela de noiva, com aquele cabelão armado e cheia de maquiagem, eu brocho...



Amâncio achou graça e Horácio virou a cabeça para olhar o médico e perguntou:

– O que o Sr. acha, Dr.?

– Bem, eu acho... para! É você quem diz, é você quem tem que falar!

– Então.. tem a questão do nome também... Só pra o Sr. ter uma noção, vi uma moça linda no supermercado ontem, pele morena, cabelos lisos e negros, óculos, meio índia, meio Malu Mader. Cheguei a acrescentar itens em minha lista só para ter a chance de passar minha compra no mesmo caixa que ela, só para ficar na mesma fila e olhá-la, captar algo ... Na hora em que ela tirou o cartão de crédito para pagar eis que eu vejo o nome “Zuleica Gabriela”... Aí não, po... Mulher pra mim tem que ser “alguma coisa Maria” ou “Maria alguma coisa”, e não um nome daqueles, não é Dr.? O Sr. é casado? Qual é o nome dela?

– Sou viúvo, ela se chamava Sa.. Ora! Pare! É de sua vida que estamos falando!



– Outra coisa: gosto. Poxa, a mulher tem que ter intelecto... Não consigo sair com essa moças que vão em baladinhas sertanejas ou requebram o funk até o chão, ou músicas "punch", a minha amada idealizada deve ser fã do James Taylor...

– James Taylor?

– É,aquele que canta “You just call out my name, and you know wherever I am. I'll come running, oh yeah baby to see you again… larará-rá!”.

– Eu sei quem é porra!

– Tá nervoso, Dr.?

– Não, não, desculpe...

– Então, Dr., me entende?

– Bem, pelo visto você tem um modelo feminino, Horácio. Se prendeu a ele e acha que jamais poderá ser feliz se não for desse jeito...

– E então, o que eu faço?

– Eu poderia dizer agora, Horácio, mas seu tempo acabou... nos vemos 4ª. que vem?

– Sim...



Logo após Horácio sair, Amâncio ligou para sua recepcionista e pediu para que dispensasse todos os pacientes vindouros. “Invente um desculpa, Judith!”, disse.



Certo de que a recepção se esvaziara, Amâncio abriu a porta e, já sem jaleco, disse trêmulo: “Judith, saiba que tens um belo nome, mas agora preciso saber se você tem algum compromisso para esta noite...”

A moça sorriu tímida e perguntou:

– Depende, o Sr. gosta de James Taylor?





MÚSICA A CALHAR:
Eu vou calar; Pois não pretendo amor te magoar.” (“Tive, sim”- Cartola, o mágico).


Nota: Sim, é possível ser psicanalista e psiquiatra.

4 comentários:

Camila disse...

haha baseado na história real de

ruth maria disse...

Gostei!!!

ruth maria disse...

adorei!!!!!

Victor Athayde disse...

Pois é, na real "de...?" ... minha é que não é... estou mais para amâncio.